Contatos Imediatos de Segundo Grau: “as mesmas coisas de forma diferente...”



Contatos Imediatos de Segundo Grau: “as mesmas coisas de forma diferente...”


Em 2006 estava ainda escrevendo o texto de Canção, estética e política: ensaios legionários quando troquei alguns emails com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. Numa dessas rolou uma entrevista inédita até agora, mas muito importante neste processo de construção: os simples fato de ter essa atenção e cuidado foi muito imporante para sentir que o projeto valia a pena.  

1) Caetano Veloso e Chico Buarque são hoje comumente apontados como "interpretes do Brasil", ao lado de nomes como Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Hollanda etc. Você acha que a obra da Legião Urbana pode ocupar a mesma posição quando se trata de pensar as décadas de 80 e 90?

Dado Villa-Lobos: É possível que sim... mas ainda é um pouco cedo pra tal avaliação. É fato que o Brasil conhece a Legião Urbana e que até hoje ela toca o coração das pessoas: fizemos história em 80 e 90 e parece que essa historia não tem fim - o que pra mim significa História [com letra maiúscula] mesmo.

Marcelo Bonfá: Modestamente: tenho certeza que sim. Até pela distância que separa a Legião de outros artistas contemporâneos, para esta posição, que necessita de obras um tanto quanto abrangentes e de conteúdo. Nunca analisei as letras do Renato, mas não é difícil perceber este contraste.

 2) Numa entrevista (acho que de 1986) Renato Russo disse que a principal contribuição do rock dos nos 80 seria um "resgate da memória nacional", o rock traria uma espécie de instantâneo do país na qual os jovens poderiam se identificar. A Legião Urbana sempre teve o cuidado de pensar/refletir o momento do país?

Dado Villa-Lobos: A Legião Urbana sempre fez seus instantâneos de seus momentos vividos nesse lugar chamado Brasil seguindo os pilares do que é considerado musica popular de forma absoluta e universal. Resgatamos a memória nacional? As pessoas até hoje cantam e citam Que país é este?...
Marcelo Bonfá: Acho que isso faz parte da “nossa” personalidade, mas não com esta pretensão de interferirmos no futuro pois queríamos mudar o mundo”já”. Hoje em dia, olhando um pouco a minha volta não vejo muita coisa positiva acontecendo neste aspecto, ou seja, na utilização deste instantâneo (já que algumas das mensagens têm mais de uma década) a ponto de o país tomar rumos mais favoráveis à justiça.

3)  Hoje a forte oposição temática entre As quatro Estações e V  salta à vista: numa mão o pop-ecumênico, noutra o surrealismo  dionisíaco. Essa oposição já estava planejada quando da gravação de As quatro Estações já que, algumas músicas que seriam parte de V já haviam começado a ser elaboradas?
Dado Villa-Lobos: As Quatro Estações vieram em contraponto a Que país é este, disco anterior que gerou sérios conflitos junto ao público em termos de atitude e compromissos, digamos assim, artísticos: um tanto mais visceral, raivoso, retomando posições "antigas”, tocando Aborto elétrico e, o outro, [As Quatro Estações] retratando o que realmente estávamos passando em nossas vidas: pais, filhos, espiritualidade etc...O V veio a reboque da era Collor, está tudo ali em Metal contra as nuvens e Montanha Mágica, um disco bem estranho e melancólico.

Marcelo Bonfá: Agora acho que você viajou (risos)... Mas não descarto a possibilidade!..Mas é pouquíssimo provável!

 4)  No encarte de V temos a epígrafe "Bem vindo aos anos 70!", essa frase marca bem a transição no som da banda, mas também o fim da Utopia expressa nas Quatro Estações. Até que ponto essa mudança foi influenciada pela mal fadada Era Collor e pela doença de Renato?
Dado Villa-Lobos: Na minha cabeça a frase em questão colocava o Brasil vinte anos atrasado em relação ao mundo ocidental, por conta de Collor é claro...

Marcelo Bonfá: Aposto que se vc procurar vai chegar (ou arranjar!) (no bom sentido) as respostas que procura. A mim cabe apenas o mérito da transposição sonora, juntamente com o resto do grupo.


5)  Interpreto o trabalho da Legião até o disco o descobrimento do brasil como composto de uma dialética que envolve tese, antítese e  síntese (questões seria levantadas em Legião Urbana e rebatidas em  Dois: Que País é este seria uma síntese. Questões seriam lançadas em As Quatro estações e rebatidas em V: a síntese estaria no descobrimento do brasil ). As capas dos álbuns parecem dar margem a essa interpretação. O que você acha dela? A tempestade pode ser vista como um Réquiem?

Dado Villa-Lobos: Nossa nunca pensei em nada dessa forma. Você me traz novas questões pra pensar. Nós seguíamos basicamente nossa intuição e o legado cultural de nossas famílias, sei lá... o descobrimento do brasil veio colocar q o Brasil em questão não era só o que era visto na TV com seus escândalos políticos e programas de formato duvidoso e sim o Brasil das pessoas q trabalham, produzem e pensam no coletivo, se divertem, amam, brigam....a capa era pra ser o Brasil idílico do português, do índio e do alemão ( o Bonfá)!... Ou coisa que o valha!
A tempestade definitivamente é nosso réquiem em vários movimentos.
Marcelo Bonfá: A melhor coisa que posso lhe dizer sobre isto é uma coisa que aprendi recentemente com a minha incursão no campo de letrista e que também me lembro de ouvir o Renato dizer: “Estamos sempre falando das mesmas coisas só que de formas diferentes.” 

P.S: As entrevistas foram feitas por email com as mesmas perguntas, mas de forma separada. Por isso mesmo é mais interesante o contraste entre as respostas. Pensando agora, depois de reler, acredito que a importância deste contato imediato foi bem grande. Estava no mestrado estudando limites da interpretação - um debate entre Umberto Eco e Richard Rorty - e as respostas serviram como um teste de realidade que atestou: não estava heideggerianamente desvelando uma verdade prévia, mas pragmaticamente inventando uma narrativa coerente. Mas essa "invenção" só faz sentido - ganha respaldo - se bem justificada... o livro está aí. Terminei de escrever antes dos 27 anos... por razões de metafísica roqueira.  

Canção popular como abertura para a filosofia: pensando com a Legião Urbana e os Engenheiros do Hawaii

programa  Filosofia, cultura popular e educação

 

projeto  Canção popular e ensino de filosofia

apresentam:

Canção popular como abertura para a filosofia:
pensando com a Legião Urbana e os Engenheiros do Hawaii
Marcos Carvalho Lopes

12/09/2014
14:000 às 18:00
Auditório do Campus dos Malês
São Francisco do Conde


É inegável a importância que a música popular possui hoje na formação de identidade dos alunos do Ensino Médio. Os adolescentes tomam letras de canções (ou outros produtos da cultura pop como quadrinhos, séries de televisão, filmes etc.) como fundamento para a construção de sua visão de mundo. Tais produtos ocupam hoje um lugar privilegiado na cultura contemporânea e, por isso mesmo, sua análise pode ser um convite para o desenvolvimento de uma perspectiva de reflexão mais ampla como a proposta pela filosofia. Nesta oficina procuro justificar a utilização da música popular como instrumento para o Ensino de Filosofia; mais especificamente, do rock nacional  tratando das bandas Legião Urbana e Engenheiros do Hawaii. Duas grandes narrativas podem se vincular a esta abordagem: uma que toma o rock como parte da “criação da adolescência” com a trivialização de questionamentos existencialistas e de uma postura romântica de autocriação (que se traduz na necessidade de comprar certos produtos) e outra que toma o rock nacional dos anos 80 como um momento decisivo de desenvolvimento da Utopia Lírica presente rock (principalmente na década de 1960) e na MPB (até a Era Collor).  Estas duas narrativas geram um interessante pano de fundo para o trabalho e debate do rico interdiscurso presente nas letras das canções da Legião Urbana e dos Engenheiros do Hawaii. Estes dois grupos traduziram seu tempo em canção. A Legião Urbana fez isso a partir de uma postura épica e romântica, inspirada inicialmente pelo no future da estética punk e pela crítica de Rousseau aos efeitos da técnica sobre o desenvolvimento moral; mais tarde procurou um resgate do sagrado numa espécie de politeísmo romântico, um discurso que foi soterrado pela
melancolia e decepção da Era Collor refletindo a crescente distinção entre publico e privado. Já os Engenheiros do Hawaii surgiram dentro de uma faculdade de arquitetura, marcados por uma perspectiva pós-moderna e pop, que, traduzida para o universo da música popular, questionava a dimensão épica da canção. Este questionamento e denúncia das engrenagens da indústria cultural por meio de produtos dessa mesma indústria gerou um discurso que se autoconsumia (até o paradoxo e colapso) inspirado no absurdo de Camus, e que, mais tarde, (em algumas letras) tornou-se denúncia dos mecanismos da sociedade de controle. Esta oficina apresenta (e desdobra em suas consequências didáticas) parte do trabalho que desenvolvi no livro Canção, estética e política: ensaios legionários (2012). Além do relato de experiência e das propostas de abordagem, a oficina apresentará exemplos de trabalhos didáticos desenvolvidos a partir de canções.


Contato: marcosclopes@unilab.edu.br