Entrevista para o Fã Clube Filhos da Revolução: 31/05/2013 “Os anos 80 não acabaram e continuam (e continuarão) sendo reiventados”, diz autor de livro sobre as canções da Legião Urbana


por Clarissa Pacheco

Marcos Carvalho Lopes é filósofo, goiano de Jataí, cidade localizada a 293 km da capital Goiânia. Há mais de uma década, começou a lecionar a disciplina na cidade. Hoje, é professor da UNIRIO, além de doutorando em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano passado, Marcos lançou o livro ‘Canção, estética e política: ensaios legionários’, resultado da tentativa de aprofundar a análise sobre o rock nacional e justificar as canções como um caminho para o pensamento. O autor do livro que “recontextualiza a obra da Legião Urbana em sua tentativa de traduzir seu próprio tempo em canção” conversou com a gente!



- As letras das músicas da Legião se tornaram uma espécie de "glossário" para entender o cenário do Brasil naquela conjuntura política da década de 1980. Que outras bandas de rock você acha que alcançaram esse patamar?



A Legião Urbana provavelmente é a mais representativa dos anos 80-90 por conta da popularidade que alcançou e que mantém. No entanto, essa pergunta é muito complicada porque todos os grupos de uma forma ou de outra dialogavam com seu contexto e entre si e construíam um panorama do momento (seja de denúncia, indiferença, alienação, cantando dor de cotovelo ou a revolução).

Se eu fosse escrever algo “assim” colocaria em primeiro plano um “triunvirato”: Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso e Engenheiros do Hawaii (como os três mosqueteiros, são na verdade quatro com a chegada tardia do último da turma). Estas bandas alcançaram grande popularidade naquele momento o que ajuda a justificar sua escolha, e mantiveram de uma forma ou de outra o “complexo de épico” da MPB em sua ânsia de representar o país. Já escrevi sobre como Cazuza redescreveu a noção de malandragem; ele também deve estar no foco primário de qualquer análise desse tipo. Já esbocei algo sobre o Biquíni Cavadão, RPM, Blitz e Ultraje a Rigor. Tenho curiosidade de entender melhor quem foi Júlio Barroso e o que poderia ser o Gang 90. Lobão, Barão Vermelho, Plebe Rude, Nenhum de Nós, Inocentes, Kid Abelha, Camisa de Venus, Hojerizah... A lista é enorme e podia incluir nomes que efetivamente não fizeram sucesso (penso em uma banda da minha cidade natal, Jataí, chamada The Smmurfs que nunca chegou a gravar nada em vinil, mas que faz parte da mitologia local: quem conhece ou tem uma fita k-7 do grupo conta vantagem).  Em verdade, não sou um especialista e não vivi plenamente este período (já que nasci em 80), por isso sei que há muita história pra contar, principalmente para contar de modo diferente. Por exemplo, na segunda metade da década de 90 algumas bandas que não fizeram (ou mantiveram) um sucesso tão grande nos anos 80 ressurgiram com força e  embaralharam a memória de muita gente, o que significa que o passado não é mais como era antigamente. Para muitos Capital Inicial e Ira – e talvez os Titãs – podem justificadamente ser consideradas como bandas dos anos 90-00, pois foi no fim dessa década ou na virada do século que alcançaram maior popularidade (acústica). Tudo depende de qual história você quer contar. Nos anos 80 algumas bandas de pouca vendagem, mas da qual faziam parte jornalistas especializados em rock, costumavam ganhar os principais prêmios da crítica. Imagino que alguns dele já devem ter rascunhado algo como “A verdadeira história do rock brasileiro” em que são protagonistas. Nesse sentido os anos 80 não acabaram e continuam (e continuarão) sendo reinventados.







- A Legião Urbana não teve muitas músicas censuradas, talvez por começar a aparecer já mais próximo ao final do regime, durante o governo de Figueiredo. Mesmo assim, você acredita que as letras da Legião Urbana e de outras bandas de rock eram mais agressivas ao regime do que as censuradas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, por exemplo?



Acho que não cabe comparação porque o momento era bem diferente e os interesses e possibilidades também. Comparando a Legião com a Legião, as letras do Aborto Elétrico (que apareceram em Que País é Este) são efetivamente mais violentas, porém uma violência mais (auto)destrutiva e niilista do que revolucionária. 



- Por que a escolha pelas músicas da Legião Urbana? A banda fez parte da sua vida de alguma forma?



A Legião Urbana sempre me intrigou de uma forma que não sei explicar e é melhor não tentar fazê-lo. É um tipo de obcessão que ajudou a formar minha identidade e fazia parte daquilo que era motivo de longas conversas com amigos na busca adolescente por sentido. Este livro que escrevi sobre a Legião não deve ser visto com uma tentativa de simplificar seu significado propondo uma interpretação final, mas uma tentativa de multiplicar sentidos, promover diálogo e debate. Como sou filósofo, pensei com a Legião, principalmente com as letras de Renato Russo e sua tentativa de articular uma esperança para o país que repercutia em quem se identificava com suas palavras.



- Você vê conotação política ou filosófica nas canções compostas na última década aqui no Brasil?



Com certeza existe conotação e denotação, mas política nós devemos fazer primordialmente não com canções e nem somente com o voto. Já quando se pensa em termos de filosofia a coisa é um pouco mais complicada porque compositores podem citar filósofos (até mesmo de modo errado) e slogans filosóficos, buscar inspiração conceitual em Nietzsche ou musicar O mundo de Sofia ou descartar tudo isso e qualquer pretensão deste tipo. O trabalho de avaliar estas relações diretas ou indiretas ou inconscientes ou inconsistentes é de alguém que tenha a petulância e ingenuidade de reivindicar o nome de filósofo. Pra fazer esta reivindicação de modo mais convincente é preciso ter alguma formação técnica (ainda que para criticar e esquecer está técnica). É preciso promover relações e encontros; correr este risco.

Mas para não me desviar tanto da tentativa de dar uma resposta para sua questão, posso dizer que continua existindo mercado para um tipo de canção que tanta representar/pensar o país, como diz Lenine, fazendo uma crônica de sue tempo. Com certeza não há mais a mesma repercussão que existia em outros momentos da história, por exemplo, quando a Ditadura Militar permitia a coesão de discurso contra um Grande Outro que não era de forma alguma imaginário. Hoje temos mais possibilidades de discurso e reivindicações diversas, a dificuldade esta em buscar um tipo de identificação não demagógica que se dê pela cidadania através da música. Misturar estética e política é correr o risco de alimentar tendências totalitárias: é só pensar no “fascismo” das canções que exaltam candidatos em tempos eleitorais, da força de mobilização dos hinos nas igrejas ou da Internacional Comunista ou do Hino Nazista (“Viktoria Sieg Heil”).   




- No blog, você fala da música popular brasileira como parte da formação da identidade de alunos do Ensino Médio. Que influência teve a música dos anos 80 nessa formação, e como o cenário musical de hoje interfere nessa formação de identidade?



Como explica Hobsbawn, a partir da década de 60 os adolescentes passaram a formar sua identidade não mais através de livros considerados sagrados, mas de produtos feitos para consumo de massa, canções, filmes, moda, televisão etc. O rock brasileiro dos anos 80 faz parte dessa transição, mas com a especificidade de poder questionar de forma mais despudorada os costumes (e com isso modificá-los). Essa forma mais irônica de abordar os costumes aparece, por exemplo, em grupos de teatro, programas de televisão, uma possível modificação do humor (estou especulando agora, não tenho condições de adensar estas insinuações). 





- Onde encontramos o seu livro para comprar?



É possível comprar diretamente com a editora Mercado de Letras e nas principais livrarias on line (coloquei uma lista de links aqui http://ensaioslegionarios.blogspot.com.br/p/onde-comprar.html). Nas lojas físicas da Livraria Cultura você pode encontrar (ou encomendar). 

Fonte:http://blogfilhosdarevolucao.wordpress.com/2013/05/31/os-anos-80-nao-acabaram-e-continuam-e-continuarao-sendo-reiventados-diz-autor-de-livro-sobre-as-cancoes-da-legiao-urbana/